Carlinhos de Jesus fala da sua história de vida e do seu amor pela dança
Carlinhos de Jesus é dançarino, coreógrafo e vive da música há mais de 30 anos. Em 1991, Carlinhos foi o único dançarino popular com participação especial no Rock in Rio naquele ano.
Para falar sobre sua carreira, um pouco de sua história de vida, a importância da dança para a saúde entre tantos outros assuntos, eu entrevistei, com exclusividade, Carlinhos de Jesus.
Você se formou em pedagogia, mas foi a dança que falou mais alto. Seu amor pela dança começou com quantos anos? Conte um pouco sobre sua história…
R: A dança sempre fez parte da minha vida! Minha mãe contava que desde os 4 anos eu vivia imitando os adultos, e chamava atenção pelas minhas performances. Estou com 69 anos, então danço há 65 anos, rs. Lembro-me que desde os 8 anos era disputado pelas meninas nas festas. Claro que não imaginava que teria a dança como profissão, nunca frequentei academia de dança e criei meu estilo observando grandes dançarinos do subúrbio Carioca.
– Ainda pequeno, com 9 anos, tentei pedir ao meu pai para me matricular em uma Escola de Dança, mas ele ficou irado e me matriculou em uma Escola de JIU JITSU, rs. Sou da época que havia muito preconceito com homem dançando.
– O profissional Carlinhos de Jesus surgiu acidentalmente, há 40 anos, na casa do grande jornalista carioca Sergio Cabral, fui convidado a dar aulas para um grupo de amigos, jornalistas e artistas e não parei mais, os convites se sucederam para inicialmente apresentações de dança e após coreografias para cinema, TV, teatro, espetáculos e carnaval. Abri uma Escola de Dança e posteriormente criei a Cia de Dança que levam o meu nome.
– No início de tudo tinha 27 anos e era funcionário público, me formei Pedagogo e exercia a profissão. Graças a Pedagogia, criei uma didática para a dança. Acreditei na sua dignificação, lutei contra os estereótipos e preconceitos, e segui em frente. Minha carreira como professor e dançarino deslanchou. Quando optei efetivamente pela dança como meio de sobrevivência, há 35 anos, a dança de salão era considerada lazer, atividade social, não era considerada uma profissão, a sociedade da época acreditava que a pessoa deveria ter um emprego formal e a dança seria um hobby ou uma segunda opção profissional.
– Já trabalhando com a dança pude ter o contato com grandes nomes como MARIA ANTONIETA, REGINA MIRANDA, ELBA RAMALHO, ANA BOTAFOGO, MARCELO MISAILIDIS, HELIO BEJANI entre outros que me trouxeram uma outra visão da dança. Aqui.
Quais foram os seus maiores desafios no início de sua carreira? Quais os conselhos você dá para quem sonha em ser uma referência da dança?
R: Sou uma pessoa privilegiada. Posso dizer que estava sempre no lugar e na hora certos e os meus sonhos se superaram. Quando olho para trás e vejo a a minha trajetória de menino de família simples do subúrbio que consegue o reconhecimento do seu trabalho, só tenho que agradecer muito a Deus. Meu maior desafio, no entanto, foi deixar a minha vida estabilizada de funcionário público e optar exclusivamente pela DANÇA.
– Atualmente quem quiser se profissionalizar tem várias possibilidades: primeiro deve procurar uma escola com referência no mercado e um bom profissional que o ajudará a conhecer e superar suas limitações. Existem Universidades que oferecem o Curso de Dança e quem tem bacharelado em Dança estará apto a montar e coreografar espetáculos; dar aulas de dança e como bailarino / dançarino ele deverá ter o seu atestado de capacitação profissional fornecido pelo Sindicato dos Profissionais da Dança do seu Estado.
– As melhores oportunidades hoje são oferecidas para quem se capacita, e o curso superior traz um diferencial. Hoje podemos dizer que já existe a profissão de Professor e Dançarino de Salão no Brasil, nossos profissionais estão por toda a parte vivendo do seu trabalho.
Você tem mais de 30 anos dedicados a dança de salão, tendo sido pioneiro na campanha pela valorização, respeito e profissionalização do gênero no Brasil. Como você avalia a dança no momento atual da história?
R: A Dança de Salão ainda “engatinha” no Brasil. Não temos patrocinadores, montar um espetáculo só com a “cara e a coragem” e no final ficar no prejuízo… Por isso vemos os grandes talentos na dança optarem por sair do país, para crescer profissionalmente e financeiramente.
– Avalio ser necessário a desburocratização e o apoio do Governo e das Empresas Privadas para que possamos crescer. Temos talentos de sobra que acabam desistindo dos seus sonhos por ser muito difícil sobreviver de arte no Brasil.
– Com a PANDEMIA, que está sendo o maior desafio da humanidade, a dança que é arte de aglomeração, contato, multidão, ficou sem público. Muita Academia de Dança fechou, a minha Escola de Dança que era uma casa grande no bairro de Botafogo se transformou em um Studio em Copacabana, tivemos que nos adaptar para sobreviver e, ainda estamos tentando retomar nosso trabalho.
Como é ser referência na dança e levar a paixão pela dança, da zona sul do Rio de janeiro, para o mundo?
R: Tive muitos trabalhos que foram sucesso! Um deles, a que devo muito, é o trabalho desenvolvido com Elba Ramalho. Dancei com ela no período de 1988 a 1994 por todo Brasil e pelo mundo, uma parceria determinante para minha profissionalização e projeção. As comissões de frente no Carnaval, por se tratar de um espetáculo que é visto pelo mundo inteiro, também me ajudou a expandir a minha paixão pela dança.
Você tem uma história rica em acontecimentos apoteóticos. Em 2005 você virou biografia no livro intitulado “Vem dançar comigo” pela ‘editora Gente’. Como foi a experiência de contar a sua história e como as pessoas podem fazer para adquirir o livro?
R: Em 2004 a EDITORA GENTE, de São Paulo me procurou e me incentivou a escrever sobre a minha vida. Achei importante, comprei a ideia e o livro foi lançado na XII BIENAL DO LIVRO em 2005. Achava que as pessoas deveriam conhecer o artista na sua plenitude.
– Fui autentico no meu relato, não quis colorir a minha estória. O artista tem limitação, dores, enfim sofre e é um ser humano como qualquer outro. O fato de expor meus problemas de saúde foi com a intenção de me “libertar do meu próprio preconceito” e também de ajudar pessoas que passam pelos mesmos problemas. Não teria sentido escrever um livro e omitir estas particularidades. Quis deixar um relato verdadeiro e se possível de ajuda a quebra de preconceitos. Infelizmente, hoje, o livro está esgotado e sem previsão de nova tiragem…
Qual a sua avaliação sobre a edição da Dança dos famosos 2022?
R: Quando sou jurado observo principalmente o ritmo, entrosamento do casal e a fidelidade a dança apresentada. É necessário cumplicidade, parceria e sintonia para que haja prazer e beleza na dança. A Dança dos Famosos modificou o status da dança a dois, que era vista como “coisa de velho”, mas com a programação do Domingão do Faustão e agora Domingão com Hulk – TV GLOBO, a clientela modificou.
– Os telespectadores se identificam muito com este quadro pois é o retrato da superação, e isto atraiu adultos e jovens para as escolas de dança. A Dança dos Famosos 2022 me surpreendeu pela qualidade artística dos participantes. Foi realmente um show de dança, cenário, figurino, os participantes se entregando literalmente.
Para quem não sabe dançar nada é possível aprender facilmente os primeiros passos? Quais os seus conselhos?
R: Dançar é muito fácil, ainda mais para nós brasileiros que temos a musicalidade nos nossos movimentos, nosso gingado é especial e outra coisa que ajuda muito, é o aprendizado, já que temos facilidade de assimilação é muito simples acrescentar a atividade da dança na rotina de exercícios porque dançar não tem segredo: brinco que se você faz os movimentos de levantar, sentar, andar, escovar os dentes, dar “até logo”, cruzar e descruzar as pernas, você vai aprender dançar… O necessário é motivação.
– Temos vários exercícios para alunos com mais dificuldade e observamos que a partir do momento que ele adquire confiança e prazer com os seus movimentos o aprendizado é automático. A pessoa que dança é mais desinibida, tem mais facilidade de entrosamento e tem mais postura. Acho que estes atributos são fundamentais para o cidadão na sociedade moderna.
– Hoje não adianta só o desenvolvimento intelectual. O profissional vitorioso é aquele que também cuida da sua saúde física e mental. Posso dizer que a dança é uma “carta de alforria” que nos liberta de preconceitos, quebra paradigmas e nos conduz para novos horizontes.
“Posso dizer que a dança é uma “carta de alforria” que nos liberta de preconceitos, quebra paradigmas e nos conduz para novos horizontes”, destacou Carlinhos de Jesus.
Na sua avaliação, qual a contribuição da dança para a terceira idade e na saúde como um todo?
R: A Arte é libertadora, ela tem o poder da transformação, da comunicação, auxilia tanto os adultos quanto as crianças na sua formação, no desenvolvimento das suas habilidades, combate aos preconceitos e possibilita a interação com o mundo. Enfim a dança é extremamente importante no nosso crescimento pessoal e social. Quem dança é disciplinado e “focado”.
– Quando dançamos é liberado no nosso organismo um hormônio chamado Endorfina que é o hormônio da Felicidade. A dança é indicada como terapia, recebemos alunos encaminhados por psiquiatras, terapeutas, ginecologistas, geriatras. Tenho vários depoimentos de idosos declarando que a dança os salvou da depressão, da solidão e que através dela conseguiram se integrar novamente a sociedade.
– É muito gratificante saber o quanto podemos fazer por estas pessoas que já estão fora do mercado de trabalho, aposentadas, mas com muita energia e alegria de viver. Está provado, cientificamente, que a dança desenvolve o raciocínio, a parceria, ajuda na desinibição, sociabiliza, e por ser uma atividade aeróbica ajuda no condicionamento cardíaco, muscular e esquelético. Enfim traz muitos benefícios a saúde física, mental e comportamental.
Para finalizar, qual a sua visão sobre o racismo e a homofobia no Brasil? Quais os caminhos para se combater a discriminação e o discurso de ódio na sua concepção?
R: É preciso primeiramente combater o racismo estrutural, reconhecer nossos atrasos, privilégios e entender nossa posição e lugares de fala. Precisamos ser, acima de tudo, antirracistas. Assim como precisamos enfrentar a homofobia no dia a dia. Não dá mais para replicarmos comportamentos e falas homofóbicas, racistas e misóginas disfarçados de “brincadeiras”.
“É preciso primeiramente combater o racismo estrutural, reconhecer nossos atrasos, privilégios e entender nossa posição e lugares de fala”, pontuou Carlinhos de Jesus.
– É um longo caminho, já que a nossa história está associada à discriminação e violência. Os mecanismos de combate a toda desigualdade em que vivemos precisam levar isso em consideração.
– Estamos vivendo um momento de muita intolerância e irracionalidade. É assustador acompanhar o noticiário. Acho que para fazer frente a isso é necessário que nos informemos, que busquemos informação de qualidade, que saibamos o nosso papel e que votemos conscientes.
“Acho que para fazer frente a isso é necessário que nos informemos, que busquemos informação de qualidade, que saibamos o nosso papel e que votemos conscientes”, afirmou Carlinhos de Jesus
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