Grupo Signatores estreia filme com protagonismo negro e surdo em festival na França
“Entre Palhaços e Parafusos” é uma realização do Grupo Signatores, referência em produções artísticas bilíngues no Brasil (Libras e Português). Filme faz parte da programação do Clin d’Oeil Festival 2022, que começa no dia 30 de junho, na França
O curta-metragem Entre Palhaços e Parafusos é a produção audiovisual que representa o Brasil na competição de cinema do Clin d’Oeil Festival 2022, festival internacional de artes em línguas de sinais que ocorre em Reims, na França, de 30 de junho a 3 de julho. Realizado pelo Grupo Signatores e produzido pela produtora catarinense Odù Articuladora Cultural em parceria com a Quimera Produções Artísticas, de Porto Alegre, é o único filme nacional a concorrer nas categorias “Melhor Diretor” e “Melhor Filme”.
Com direção de Adriana Somacal, o curta-metragem de cinco minutos apresenta uma narrativa baseada no cotidiano de Márcio de Lima, um homem surdo, negro e periférico que passa os dias trabalhando em uma fábrica e sonhando em ser um artista de circo. Diferente dos parafusos que ajusta diariamente, Márcio não se encaixa nas engrenagens do seu cotidiano. Em sua tentativa de ludibriar a falta de comunicação e as opressões vividas dentro do trabalho, encontra formas inusitadas de enxergar o mundo ao seu redor a partir dos olhos sonhadores de um palhaço.
Roteiro foi criado a partir da história de ator surdo que sonha em ser palhaço
Em 2012, o Grupo Signatores visitou uma empresa para divulgar a oferta de vagas para oficinas de teatro para surdos. Entre os funcionários surdos da empresa, Márcio de Lima teve interesse e passou a participar do grupo. Como parte da metodologia da oficina, havia o objetivo de realizar a montagem final de um espetáculo. Foi criada então uma apresentação construída a partir de entrevistas e relatos de experiências dos participantes surdos, o espetáculo “Memória na Ponta dos Dedos”. Desde 2012, Márcio participou em outras montagens do Grupo Signatores, como “O Ensaio de Alice” (2013) e “Alice no País das Maravilhas” (2015).
Compartilhando experiências ao longo do processo, Márcio contou sobre como era o cotidiano de trabalhar em uma empresa, apertando parafusos o dia inteiro, e como era difícil sua relação com os outros funcionários ouvintes. O ator surdo sempre compartilhou que tinha o sonho de ser palhaço, o que motivou Adriana Somacal na escrita do roteiro do curta-metragem “Entre Palhaços e Parafusos” em 2021, também assinado por Jéferson Rachewsky. Depois, o curta foi filmado em apenas um dia.
“Já havíamos participado da Mostra de Palhaçaria, fomentada pela Quimera Produções Artísticas em 2020, com uma breve cena protagonizada por Marcio. Posteriormente, o grupo recebeu o convite para participar da Ocupação Benjamin de Oliveira, promovida pelo Itaú Cultural, onde foi proposta a seguinte pergunta: “Quem são os Benjamins de hoje?” (em referência ao artista conhecido por ser o primeiro palhaço negro do Brasil). O tempo de pré-produção foi o maior desafio durante o processo. A equipe só teve acesso, por exemplo, ao local de gravação no dia das filmagens, em uma diária de domingo”, diz Mateus Sousa, produtor cultural e membro da Odù Articuladora e do Grupo Signatores.
Entre Palhaços e Parafusos
Duração: 5 min 25 seg
Classificação: 12 anos
Elenco: Márcio de Lima e Walter Diehl
Realização: Grupo Signatores
Produção: Odù Articuladora Cultural e Quimera Produções Artísticas
Patrocínio: Itaú Cultural
Festival é referência mundial em arte e cultura surda
O Clin d’Oeil é um festival criado em 2003, que acontece a cada dois anos durante quatro dias, divididos em nichos artísticos: teatro, dança, cinema, artes visuais, performances de rua, etc. O objetivo do evento é reunir as comunidades surdas ao redor do mundo, compartilhar e premiar produções artísticas em línguas de sinais, a fim de visibilizar o potencial artístico de pessoas surdas.
“É um grande marco para o Grupo Signatores participar do maior festival de arte e cultura surda do mundo e poder levar o curta-metragem para representar o Brasil na área do audiovisual, retratando o cotidiano de um trabalhador e artista surdo brasileiro. O Clin d’Oeil Festival contará com a participação de outros artistas brasileiros, mas o filme “Entre Palhaços e Parafusos” representa o Brasil na competição de cinema do evento”, afirma a diretora Adriana Somacal.
GRUPO SIGNATORES
Formado em 2010, na cidade de Porto Alegre (RS), o Grupo Signatores surgiu do interesse comum dos seus participantes em investigar os processos de construção da estética artística própria da cultura surda. Na cultura surda, a expressão corporal vai além de uma forma de comunicação, ela faz parte da construção gramatical da língua dos surdos, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). A possibilidade de experimentação na interface da utilização corporal da língua de sinais e da linguagem cênica foi o ponto de partida para a pesquisa do Signatores, que hoje atua também no meio audiovisual.
O grupo tem como proposta incentivar a formação de docentes e pesquisadores na área teatral e aproximar jovens e adultos surdos da arte, investigando as possibilidades de criação artística dos surdos. O Signatores vem da junção das palavras “signo” e “atores”, o nome também é um trocadilho com as palavras “signatário” e “signatura”, havendo as duas palavras a origem em latim “signare” (aquele que assina); o ator que assina: o ator/autor é o seu próprio trabalho, um “signator”.
Desde 2020, o Signatores migrou para a área do audiovisual, e segue com novas produções de curta-metragem e documentários bilíngues (Libras e Português), protagonizados pela comunidade surda. Com o curta-metragem híbrido “Romeu e Julieta (2022)”, uma produção em Língua Brasileira de Sinais, o curta-metragem “Entre Palhaços e Parafusos (2021)” e no documentário “Iyalodês: Diálogos sobre maternidade, surdez e negritude (2022)”, produção voltada a discutir a maternidade de mães surdas, pretas e de periferia.
ADRIANA SOMACAL – DIRETORA
Adriana de Moura Somacal – Diretora de artes cênicas e audiovisual. Doutoranda em Teatro pela Universidade de Santa Catarina (CEART/UDESC), Mestre e Licenciada em Teatro pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU/UFRGS). Professora de Teatro Bilíngue no Instituto Federal de Santa Catarina – Campus Palhoça Bilíngue (Língua Brasileira de Sinais/Língua Portuguesa). Dirigiu o curta-metragem híbrido “Romeu e Julieta (2022)”, uma produção em Língua Brasileira de Sinais desenvolvida a partir de sua pesquisa de doutorado sobre Shakespeare em Libras, na Universidade do Estado de Santa Catarina – CEART/UDESC. Atuou como diretora no curta-metragem “Entre Palhaços e Parafusos (2021)” e no documentário “Iyalodês: Diálogos sobre maternidade, surdez e negritude (2022)”, produção voltada a discutir a maternidade de mães surdas, pretas e de periferia. Atua há 12 anos como diretora de artes cênicas no Grupo Signatores, onde desenvolve uma pesquisa na área das artes cênicas e audiovisuais com surdos e as peças de teatro “Alice no País das Maravilhas” (2015), “O ensaio de Alice” (2013), “Memória na ponta dos dedos” (2012), “Aventuras no Reino Surdo” (2011).
Yasmine Holanda Fiorini
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@yasmineholanda